Você já sentiu preocupação em como expressar um sentimento negativo?
Nos últimos dias durante essa pandemia, ficamos expostos a diversos desafios que até então eram encarados de modo tradicional: o trabalho, as relações interpessoais e a comunicação. Ainda mais do que antes, entender como podemos administrar a forma como nos comunicamos é extremamente importante.
Presenciamos um momento singular, em que a maioria das nossas comunicações são realizadas através de ligações ou videoconferências. Então, considerando que 90% da nossa comunicação é não verbal, nesse período, devemos redobrar a atenção nos 10% para que ela seja satisfatória, clara e assertiva.
Arrisco dizer que, ao ler “sentimento negativo” na pergunta que iniciou este artigo, vieram à sua mente sentimentos como raiva, tristeza, frustração, entre outros. Correto?
Conseguimos refletir sobre essa atribuição de qualidade aos sentimentos pela estruturação da nossa cultura. Observe a imagem abaixo:
A violência retratada é cíclica, e, desde muito jovens, somos desencorajados a perceber o que estamos sentindo e precisando. Dessa forma, reprimimos nossos sentimentos, entramos menos em contato e acabamos não lidando da melhor maneira que poderíamos. Ocasionando na divisão: sentimentos positivos e negativos.
A qualificação dos sentimentos entra, por exemplo, quando recebemos um feedback de desenvolvimento no trabalho. É natural que a maioria das pessoas sintam-se frustradas, porém, não alimentar esse sentimento pode nos ajudar a desenvolver habilidades como resiliência.
Ou seja, é uma reação em cadeia, que em nada facilita nossa comunicação e nossos relacionamentos.
“A maioria de nós cresceu usando uma linguagem que, em vez de nos encorajar a perceber o que estamos sentindo e do que precisamos, nos estimula a rotular, comparar, exigir e proferir julgamentos.” – Marshall B. Rosenberg.
Como podemos buscar a quebra dessa reação em cadeia, então?
Quatro passos para a comunicação não violenta
- Observar sem avaliar
Considerada pelo filósofo Jiddu Krishnamurti como a forma mais elevada de inteligência humana, a observação sem avaliação exige de nós energia para exercitá-la, principalmente porque ela não é natural e nem incentivada durante nossa jornada de desenvolvimento.
Se, em uma conversa, usarmos de forma conjunta a observação e avaliação, a pessoa ouvinte desse papo pode se sentir criticada ou desencorajada.
A neurologia e a biologia nos mostram que, quando recebemos uma crítica, tendemos a interpretá-la como uma ameaça à nossa sobrevivência, ativando nosso modo “lute ou fuja”.
Pode-se então, ao invés de dizer que seu companheiro trabalha demais (avaliação), dizer que, na última semana, ele passou muito tempo no escritório (observação sem avaliação). *Guarde esse exemplo pois voltaremos nele novamente.
- Identificando e expressando sentimentos
Outro passo muito importante para a comunicação não violenta é aprendermos a expressar nossos sentimentos.
“Nosso repertório para rotular os outros costuma ser maior do que o vocabulário para descrever claramente nossos estados emocionais.” – Marshall B. Rosenberg.
Aqui, vale retomarmos o assunto de inteligência emocional: o trabalho na busca pelo autoconhecimento é uma peça chave para que possamos aprender a identificar nossos sentimentos.
Seguindo no exemplo do tópico anterior, é válido investigar quais sentimentos são despertados quando percebemos que o companheiro passa muitas horas no escritório em uma semana.
Muito cuidado!
Algumas expressões podem não retratar os sentimentos em sua totalidade. Por exemplo:
Situação A) “Meu amor, me sinto negligenciada quando você passa muito tempo no escritório.” Ao usar a palavra “negligência”, a pessoa interpreta como o outro está se comportando.
Sugestão:
Situação B) “Meu amor, me sinto solitária quando você passa muito tempo no escritório.”
- Percebendo a necessidade
A virada de chave aqui é entender que o outro não é a causa dos nossos sentimentos. O outro pode ser, no máximo, um estímulo.
Lembram-se do exemplo? Usaremos ele novamente aqui.
Marshall B. Rosenberg expõe que há quatro possibilidades de reagirmos quando recebemos feedback de desenvolvimento:
a. Culpar a nós mesmos;
“Acho que sou muito chata e desinteressante.”
b. Culpar os outros;
“Perceba que ele é negligente e não se importa comigo.”
c. Escutar nossos próprios sentimentos e necessidades;
“Quando ele passa 60 horas por semana no trabalho, sinto-me solitária porque gostaria de ter com quem conversar a noite.”
d Escutar os sentimentos e necessidades dos outros;
“Notei que você passou 60 horas no trabalho na última semana. Você está preocupado com esse projeto que está liderando e precisa de um tempo maior para se dedicar?”
Busque situações semelhantes que você tenha passado e investigue quão efetivo foi reagir a elas considerando as duas primeiras possibilidades. É natural que as pessoas não hajam de forma genuína ou não nos entregue sua atenção plena quando há sentimentos de culpa.
- Pedindo assertivamente
Você poderia não fazer isso?
Já aconteceu de você pedir para uma pessoa que ela NÃO fizesse algo e ela realmente não fez. Mas, no final das contas, ela também não fez o que você, de fato, gostaria?
Pois é, quando fazemos pedidos na negativa, excluímos uma opção, porém abrimos para muitas outras possibilidades.
Imagine se no cenário do nosso exemplo, a pessoa pedisse para que o companheiro NÃO passasse tanto tempo no trabalho. Ele poderia atender a esse pedido, se inscrevendo em uma academia, por exemplo. Consegue identificar o erro?
Por isso, sugerimos sempre que os pedidos sejam na forma positiva. No caso, a pessoa poderia pedir para que ele passasse pelo menos uma noite da semana em casa com ela.
Atenção para diferenciação entre pedido e exigência.
Há duas situações principais em que pedidos podem se tornar exigências, observe os diálogos na sequência:
a. Quando o ouvinte acha que será punido ou se sentirá culpado se não realizar;
Se a mulher pede para que o companheiro fique ao menos uma noite da semana em casa pois está se sentindo solitária e gostaria de alguém para conversar, e ele responde que não será possível pela alta demanda de trabalho, e a mulher responde com “imaginei, você não se importa comigo mesmo”.
Nesse momento o pedido se tornou exigência pois a mulher não demonstrou empatia pela negativa do companheiro.
b. Se solicitamos sem indicar nossos sentimentos e necessidades.
Imagine a situação de que o companheiro não sabe que a mulher se sente solitária e melancólica, e ela solicita que “fique ao menos uma noite da semana em casa, por favor”.
Esse pedido abre chances para que possa ser interpretado como uma exigência.
A probabilidade de sermos assertivos fazendo pedidos na forma positiva, indicando nossos sentimentos e necessidades, e oferecendo empatia para o interlocutor é maior.
É importante destacarmos aqui que o objetivo dessa ferramenta para nossa comunicação é estabelecer relacionamentos baseados na confiança, honestidade e empatia, favorecendo o saciamento das necessidades de todos. O objetivo não é que seja um manual de manipulação para que as pessoas façam o que queremos.
E aí, você já parou para pensar quanto você identifica suas necessidades e faz pedidos assertivos?
Esperamos que esses 4 passos façam parte do seu dia a dia e possam guiar suas conversas nesse momento tão singular como o que estamos vivendo.
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